domingo, 1 de novembro de 2009

OBRAS DE PÓ DE ARROZ

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Mas, vá lá saber-se porquê, sempre que houve mudança, o inquilino seguinte havia de dar a primeiríssima prioridade à renovação da Rua dos Surdos, rua pedonal dedicada quase exclusivamente ao Comércio. Baptizada assim depois da geminação de Algures com o Funchal, o nome fora importado da ilha pelo enlevo que havia causado em José Ralha, admirador incondicional da experiência hegemónica da Madeira. Daí trouxera, também, os mais completos ensinamentos sobre os modos de tratar as oposições, onde meia ideia é filosofia bastante, desde que pelo menos metade dessa meia seja que “o mundo será feliz quando ficar cor de laranja, a cor do sol!”.
A obra não era necessária, sobretudo diante da teimosa falta de tratamento de esgotos ou das ruas escavacadas na maioria das freguesias rurais. Mas era uma irresistível espécie de feitiço ou de rito – continua por esclarecer… -, a que nenhum conseguira fugir, uma espécie de baptismo de voo, com um bilhete demasiado caro para os cidadãos que, mesmo resmungando durante o período da empreitada que lhes estragava o negócio, acabavam por vir a agradecer radiantes na festa da inauguração, cumprindo o habitual efeito manada.
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A obra consistiu em aplicar pó de arroz nos pavimentos. É uma maneira de dizer. Aproveitou-se para os abrir e rever os esgotos e as águas pluviais. Apesar da oportunidade para construir uma galeria técnica que evitasse novos esventramentos no futuro, o novo presidente preferiu evitar a solução, talvez por temer a técnica ou talvez para não romper a corrente e garantir ao futuro sucessor motivos para nova intervenção. Ainda hoje há quem diga que fora uma estratégia para prevenir ataques subterrâneos, não fosse o diabo tecê-las.
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in NUVEM DE FUMO

 
 
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