sábado, 14 de novembro de 2009

CALADO GANHA CONCURSO PUBLICO

(…)


Constantino, que era sobrinho do líder do partido, fora apresentado por Tutimeia ao presidente, a quem pediu que o contratasse. Vislumbrando vantagens operacionais no apelido do candidato a funcionário, com o conselho experimentado do jurista municipal, Ralha torneou a lei e promoveu um concurso de admissão de pessoal em que os candidatos teriam de possuir nomes parecidos com silêncio. Criada a dificuldade a quem bastava ter carta de condução e alguma prática de estacionamento, que não em cima dos passeios, o que melhor se enquadrava no fato à medida era, evidentemente, Constantino Calado. E, assim, foi ele o contratado. Dos sessenta e seis candidatos ao lugar ainda houve quem percebesse a marosca e quisesse reagir, mas os outros sessenta e quatro aconselharam-no a não abrir o bico. Que seguisse o exemplo do Calado, se inscrevesse no partido e esperasse outra oportunidade, que era mais provável assim do que de outro modo qualquer.
Em seis anos, os funcionários das autarquias aumentaram cinquenta e um por cento, passando de perto de oitenta e quatro mil para mais de cento e vinte e seis mil, no final de dois mil e cinco!
No mesmo dia em que um diário nacional revelava a obesidade do funcionalismo público nas autarquias, Ralha contratou Calado.
Para quem estivesse atento, o caso de Constantino não era o único. Na câmara de Algures saltavam à vista o compadrio, o amiguismo, quer por razões familiares, quer por filiações partidárias.
Tutimeia era hábil a obter dos lobbies locais o financiamento para as eleições, mas era também ele quem cuidava de arranjar lugar na câmara para a rapaziada do partido.
Antes de Constantino, através desse método infalível, tinham sido contemplados uma prima do presidente, o filho do mandatário da candidatura de Ralha nas eleições anteriores e o ex-líder da juventude partidária.
Do ponto de vista formal, os relatórios do júri dos concursos públicos veiculavam informações tão genéricas que dificilmente podiam ser objecto de suspeita. No entanto, era no conteúdo do concurso, e sobretudo no método de avaliação das competências utilizado, que residia a questão principal. Na prova escrita, além do candidato ao lugar ter que comentar um discurso do presidente Ralha, os temas abordados eram muitas vezes irrelevantes. Noutras vezes nada tinham que ver com a especificidade das funções para que se pretendia contratar alguém. Da entrevista não havia a menor informação que pudesse ser apreciada pelo órgão colegial: era um exercício à porta fechada, sem transparência, que ficava entre o candidato e o júri, e este valorizava o que queria, sem deixar justificação ou registo escrito, quer das perguntas e da sua eventual pertinência, quer das respostas.
Como consequência, o resultado final do candidato e a decisão do júri sobre a escolha resultava sobretudo da nota obtida na entrevista, que acabava por ser determinante.
Com tal expediente era fácil dar preferência a quem se queria.

(…)

in NUVEM DE FUMO

Sem comentários:

Enviar um comentário